Quem se interessa por política, independentemente do espectro político, olha para os resultados da última noite eleitoral com curiosidade. Os fenómenos que vimos a acontecer, contrariando qualquer sondagem, representam o grande desfasamento entre as bolhas mediáticas e a vida real, dos portugueses reais.
As sondagens, cujo impacto se percebeu estrondoso nos resultados, não relevam pelo resultado que apresentam, mas pelas tendências de voto que criam. Tivemos como exemplo uma tracking poll diária, que apresenta unicamente tendências de voto com base em eleições passadas, tida como uma sondagem propriamente dita - a própria comunicação social, ciente do disparate, coloca-a na abertura dos telejornais e no centro dos debates eleitorais.
É de salientar, logo de início, que o resultado com que terminou a noite do dia 30 de janeiro se avizinhava inimaginável tendo em conta, sondagens à parte, uma vez que essas valem o que valem, toda a campanha eleitoral e a oscilação no discurso do Secretário-Geral do Partido Socialista que, se inicialmente requisitava uma maioria absoluta, rapidamente inverteu o pedido e mostrou necessidade de se sentar à mesa com os “culpados” da crise política.
A um PSD que até ao final teimou em não apresentar respostas concretas, que se manteve fiel a si mesmo na sua indefinição de tentar agradar a qualquer eleitor que se encontrasse indeciso, opuseram-se novas realidades à direita que cresceram a olhos vistos e não alinharam no discurso “catch all” que Rui Rio apresentou. A postura incongruente de num dia dizer que não representa um partido de Direita, assumindo realisticamente a possibilidade de um “acordo de cavalheiros” e no seguinte afirmar que se precisar do Chega para expulsar António Costa do poder, estará aberto a negociações, não cai bem aos eleitores laranjas, nem tampouco àqueles de direita moderada que perante esta incoerência constante, migram para portos diferentes. Uma crise de identidade não cabe numa democracia madura.
Mas bem, não me apraz analisar os resultados dos partidos do chamado centro, porque de lá uma única elação se tira: a oscilação dos votos ao centro é uma miragem do passado. Os novos partidos, que apostam numa imagem moderna e não representam um sistema velho e caduco, captam o eleitorado que outrora não encontrava representação. Viu-se, acima de tudo, no eleitorado da IL e do Livre – os dois partidos mais interessantes que se apresentaram a jogo.
Um partido como a Iniciativa Liberal mereceu a larga votação que obteve e a representatividade parlamentar que alcançou. Esta lufada de ar fresco está a trazer jovens a interessarem-se pela política, talvez por descurar as gravatas em detrimento de um jogo de voleibol de praia enquanto metáfora para o início de uma irreverente e enérgica campanha eleitoral. E cumpriu a promessa. Este partido lidera agora a vontade reformista por ser capaz de olhar para uma dezena de países europeus com políticas de crescimento económico e adaptá-las a um Portugal ainda com passos largos a dar para alcançar a média europeia e para uma juventude que se quer cada vez mais viajada e estudada, que se interessa por tecnologia, cultura e desporto e não encontra espaço na política tradicional e bafienta dos mesmos do costume.
Ademais, importa lamentar o panorama político à esquerda do Partido Socialista. O culminar de uma campanha excelente para o PS, que apresentou um discurso repetitivo, mas que chamou a atenção dos mais desatentos, engoliu o Bloco de Esquerda e a CDU, que sofreram um desastre eleitoral sem precedentes. Partiram logo da premissa errada: não souberam explicar a razão de ser da incoerência de chumbarem um Orçamento do Estado, mas rapidamente se mostrarem recetivos a uma nova “geringonça”. Estes dois partidos, com alicerces eleitorais muitos distintos, convergem na mesma encruzilhada: ou se reinventam, ou entrarão numa espiral descendente e anunciam já uma morte iminente.
O Bloco, que se encontra agora repleto de “intelectuais” totalmente desfasados da realidade, que se aproveitam de chavões sociais e ali ficam, na inquietude de encontrar o problema, mas de nada fazerem para alavancarem a solução, está preso aos disruptivos jovens privilegiados das cidades que migram agora para uma ala liberal, que olham para a Europa e para o mundo no auge da sua globalização. Deixou de olhar para a juventude do século XXI como ela é: cosmopolita e viajada, que vê nos países liberais os exemplos nos mais diversos sectores- da saúde à educação, da ciência à cultura.
Em contrapartida, temos um Partido Comunista confinado a uma geração de trabalhadores do interior, pobres e descontentes, que em 48 anos de democracia padece dos mesmos males e acaba por fugir e refugiar-se num partido que se diz antissistema, mas que faz parte dele como qualquer outro. A isto, alia-se o chamado “voto útil”, que eu repugno e acho até contrário ao que se propaga em democracia, daqueles que mesmo identificando-se com uma esquerda mais radical, mas apavorados com o hipotético acordo à direita, não viram qualquer solução senão resignarem-se a colocar a majestosa cruz no Partido Socialista.
Aos partidos à esquerda do Partido Socialista exige-se que se reinventem, com novas propostas e ideias, com outra forma de estar na política. Aliás, estas surgiram. A esquerda moderada e credível, com um projeto exequível e bem pensado, surgiu e foi, na minha ótica, a grande surpresa destas eleições e, ainda mais, dos debates. O Livre representa aquilo que a esquerda tradicional não é capaz de ser: representa a irreverência, a modernidade, mas ao mesmo tempo, faz política com os pés bem assentes na terra e ciente do Portugal onde vivemos.
Rui Tavares apresenta-se com um mote claro: “ecologia e economia de mãos dadas”. Se eu fosse de esquerda, não teria dúvidas senão votar na modernidade europeísta do Livre, que não tem receios de olhar para os países que teimam em crescer a olhos vistos ao lado de um Portugal estagnado, e ter a audácia de exigir mudanças para o nosso país.
Para rematar, não posso deixar de falar de outras duas derrotas da noite eleitoral, mas duas que me preocupam especialmente: o PAN e o CDS.
Face a quem diz categoricamente que o PAN nada acrescenta ao panorama político nacional, afirmo, para espanto de quem me conhece, que é um partido com o qual simpatizo. Mas uma coisa é certa, Inês de Sousa Real conseguiu, em cerca de meio ano, destruir um percurso ascendente que André Silva, de forma humilde e coerente, vinha a construir. O PAN não é um partido para governar um país, acho que disso ninguém tem dúvidas, mas a sua importância em qualquer governo passa, quer à esquerda quer à direita, por trazer para cima da mesa propostas irreverentes e necessárias, cujos temas, essencialmente ligados à ecologia e a um desenvolvimento sustentável, acabam por passar por esquecidos nos programas eleitorais dos vários partidos.
Ao CDS, cabe-me dar uma palavra de apreço pela importância democrática que teve desde 1974, de representação do povo trabalhador tradicional, de grande preocupação com o interior e de tentar manter viva a democracia cristã. Mas uma coisa é certa: a longevidade não é um posto e a falta de coesão interna, aliada a um discurso gasto, fez-se transparecer da pior forma – na incapacidade de garantir representação parlamentar. A catástrofe era anunciada, mas a sua magnitude não.
Evitei ao máximo falar no grande elefante na sala. Mas não posso continuar a fazê-lo, porque seria excluir mais de 410 mil portugueses eleitores desta minha análise. E não são 410 mil portugueses “fascistas”, como se diz por aí – alguns são-no, é certo, e essas posições têm de ser combatidas dentro do debate democrático. Mas muitos deles, atrevo-me a dizer a larga maioria deles, são pessoas descontentes que acham que foram abandonados pelo regime, são aqueles que nunca encontraram respostas para os seus problemas nos partidos convencionais e acabam por se deixar ludibriar por discursos inócuos perpetuados pelo incongruente André Ventura que, tanto nos debates quanto na campanha, trazia uma identidade diferente por dia, conforme os ventos lhe agradassem. Mas a solução não pode passar por hostilizar ou marginalizar mais de 7% dos eleitores portugueses. Tem de passar por diagnosticar o problema e atuar, antes que se avizinhe tarde demais.
Os resultados de 30 de janeiro representam um novo capítulo na nossa política nacional, não só por nos trazer uma nova maioria absoluta socialista, cuja história teima em nos relembrar que não trazem bons resultados, como também quanto à nova disposição do Parlamento que já faz correr muita tinta nos jornais. As próximas páginas serão certamente entusiasmantes para os amantes de política, já que entre mudanças de mobília governativa, eleições internas de vários partidos ou ainda o velho Orçamento de Estado que o Primeiro-Ministro quer peremptoriamente aprovar, teremos 4 anos para escrutinar a responsabilidade governativa de um Partido Socialista que agora se encontra a escrever sozinho o livro da governação.
Bárbara Coquim Serra, natural de Oliveira do Hospital.
Actualmente estuda Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra onde participa activamente nos movimentos estudantis, sendo coordenadora do Núcleo de Estudantes de Direito da sua faculdade.
Integra o CNED-Conselho Nacional de Estudantes de Direito no seu pelouro de Relações Externas e Saídas Profissionais.
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