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“Ideologia de Género”,Discurso de Ódio e Representação Mediática em Portugal

Resumo: À luz do entendimento das Ciências da Comunicação e dos Estudos Feministas, sobre o impacto que as práticas comunicativas hegemónicas dos media causam no reforço de ideologias identitárias de género, pretende-se analisar neste ensaio o conteúdo discursivo de declarações de forças ideológicas de extrema direita e de grupos religiosos conservadores sobre a “ideologia de género”, e a possível relação causal destes discursos com o aumento das manifestações de ódio e preconceito LGBTQI+ em espaço online. Para compreender o impacto do discurso de ódio na sua relação com o discurso “anti-ideologia de género”, na criação de um ambiente público de desordem e desinformação em Portugal, recorrerei à análise de produção literária sobre estes dois temas centrais assim como à análise do discurso “anti-género” em publicações online realizado pelas forças conservadoras de extrema-direita.

Palavras-Chave: LGBQTQI+; Ideologia de Género; Discurso de Ódio; Extrema-Direita; Comunicação Social.


O discurso anti-“Ideologia de Género” em Portugal “Gender ideologies, then, are structured beliefs and ideas about ways power

should be arranged according to social constructs associated with sexed bodies.” Georgia Duerst-Lahti Nas últimas décadas verificaram-se em Portugal importantes reformas políticas e legais que permitiram que a cidadania íntima e sexual ganhasse maior centralidade na construção da identidade sexual (Santos, 2021). Em 2018, a aprovação da lei de autodeterminação da identidade e expressão de género e proteção das características sexuais (Lei n.º38/2018) colocava Portugal num patamar pioneiro em termos do reconhecimento da segurança e proteção dos direitos de pessoas LGBTQI+. Ainda assim, as lógicas essencialistas sobre a sexualidade mostram resistir, reforçando a diferenciação de papeis sexuais na construção da masculinidade e feminilidade. Esta visão heteronormativa da sexualidade meramente reprodutiva tutela a complementaridade entre sexo e género, masculino e feminino, opondo-se ao avanço legislativo sobre diversidade sexual e a autodeterminação de género dos indivíduos. É neste sentido que pretendo introduzir o discurso anti-“ideologia de género”, enquanto estratégia de grupos ideológicos conservadores para controlar e padronizar comportamentos relativos à sexualidade, ao casamento, à família e procriação (Ubieta, et al, 2018).

Vejamos onde tudo começa. O surgimento do discurso “anti-género” é apontado para a década de 1990,mais precisamente em 1995, na IV Conferência Mundial Sobre as Mulheres em Pequim. É neste ambiente que, em jeito de protesto à adoção do conceito de género na agenda internacional dos direitos humanos, surgem as primeiras críticas à ordem de género nos documentos oficiais do Vaticano (Garraio, Toldy, 2020). Defendendo que a natureza da família está radicada no papel do homem e da mulher, os discursos religiosos mostravam a desaprovação das transformações sociais e políticas em torno da família e da igualdadede género, ligando-as ao aumento dos divórcios, uniões de facto e à desvalorização do matrimónio (Garraio, Toldy, 2020). Desta forma, a igreja católica rebate a teorização e ação política do termo “género”enquanto “ideologia”, reafirmando o seu poder moral na defesa do conceito da “família natural”,do “bem estar das crianças”, da “sobrevivência da sociedade e da civilização” (Toldy, Santos, (2016).

Desde os anos 1990 até aos dias de hoje, vemos o discurso contra a “ideologia de género” a assumir proporções globais. Na Europa, vemos países onde partidos que se intitulam anti-“ideologia de género” obtiveram ganhos eleitorais e alguns formaram governo, como exemplo: Portugal; Espanha; França; Itália; Croácia; Eslovénia (Paternotte, 2018). Na Hungria e na Polónia tem-se vindo a assistir à aplicação de legislação que revoga políticas de género como a proibição da “promoção” da homossexualidade junto de menores de 18 anos, ou ainda, as “zonas livres de pessoas LGBTQI+”, onde mais de 100 municípios na Polónia mostram ser contra a “Ideologia LGBT”, em defesa dos valores tradicionais de família (Korolczuk, 2020).

A transnacionalização do movimento “anti-género” mostra chegar a Portugal mais recentemente. Em 2013, é conhecida a Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, referindo-se exclusivamente ao “propósito da ideologia de género”, e do seu contraste “com o acervo civilizacional já adquirido”. Fazendo referência à necessária compreensão da “lei natural e biológica” das relações entre homem e mulher, do seu desígnio na “continuação da espécie”, do papel insubstituível do pai na manutenção da família e "primado dos pais e mães quanto à orientação da educação dos seus filhos”. Estas exposições mostravam a posição da igreja católica face às alterações legislativas a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo ocorridas em 2010. Também, a lei sobre a homoparentalidade, que viria a transformar o sentido tradicional de família portuguesa, aguarda ser aprovada até 2016, com os votos contra do PSD e CDS. Já em 2019,como contra-resposta à Lei n.º38/2018, os deputados do PSD e CDS-PP entregam um requerimento ao Tribunal Constitucional de pedido de fiscalização da promoção da norma de “ideologia de género” nas escolas.


"Em 2013, é conhecida a Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, referindo-se exclusivamente ao “propósito da ideologia de género”, e do seu contraste “com o acervo civilizacional já adquirido”. "

Entre partidos conservadores de direita e extrema direita os discursos autoritários religiosos sobre a perspectiva “anti-género” mostram materializar-se em ação política, procurando condicionar legislação já existente no que toca aos direitos reprodutivos e procedimentos médico-científicos, ao trabalho sexual, ao reconhecimento de pessoas do mesmo sexo e da homoparentalidade (Toldy, Santos, 2016). Acusado de doutrinação e propagação de género, o campo da educação mostra uma atenção prioritária por parte destes movimentos, no qual dizem existir a “usurpação do poder dos pais com a doutrinação e propaganda de género” (Toldy, Santos, 2016), de uma “crise educacional” no campo da afetividade e sexualidade, pelo ensino da “ideologia de género” às crianças (Garraio, Toldy, 2020). Na realidade portuguesa, o partido de extrema-direita Chega, que defendeu a proibição do casamento homossexual, manifesta também a sua posição sobre a “ideologia de género” e o “abuso sobre a identidade das crianças”:

É uma derivação do marxismo cultural e um abuso sobre a identidade das crianças. É um abuso tremendo e chocante da identidade e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade da criança” (André Ventura, 2019).

Também sobre a legitimidade da parentalidade entre famílias homoparentais e da autodeterminação de género, o deputado do Chega sublinha:

"Onde já se viu deixar de haver pai e mãe, para serem substituídos por progenitor 1 e progenitor 2? Onde já se viu o género passar a ser uma escolha e não uma realidade biológicae espiritual?” (André Ventura, 2019).

Note-se no manifesto do Partido Chega, disponível na sua página online, a posição deste quanto aos avanços legislativos em torno da igualdade de género e cidadania sexual e reprodutiva, explicitando:

O CHEGA veio para recusar. Recusar muito daquilo que hoje é tido por padrão de normalidade. Recusar frontalmente o marxismo cultural e todo o seu cortejo de aberrações disformes e de realidades alternativas absurdas. Recusar a ditadura da Ideologia de Género; recusar o aborto-a- pedido ou as cirurgias de mudança de SEXO pagas pelos contribuintes.” (Manifesto Político Fundador Chega).

Alinhado com o que acontece na cena internacional, atribui-se à “ideologia de género” o significado de doutrinação ideológica, de marxismo cultural, da hipersexualização e “promoção gay” das crianças (Junqueira, 2018; Paternotte, Kuhar,2018). No Brasil, lembramos o movimento anti-género encabeçado por Bolsonaro que, apoiado por forças religiosas e conservadoras, se opôs à distribuição de materiais pedagógicos para o combate à discriminação nas escolas (Garraio, Toldy, 2020). O projeto denominando “Escola sem Homofobia” rapidamente foi alcunhado por aquele movimento conservador como “Kit Gay”, conseguindo através dos media criar um movimento contra o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos no congresso brasileiro (Junqueira, 2018; Miskolci, 2018). Em Portugal a situação volta a não ser dissemelhante, considerando o ataque de grupos ideológicos mais conservadores a medidas progressistas sobre igualdade de género. Recordemos que, em 2011, dois serviços do Ministério da Educação do Governo de Pedro Passos Coelho recusaram apoiar a distribuição de materiais que promoviam o combate à homofobia e à transfobia nos estabelecimentos de ensino português, pelo seu cariz “ideológico” - uma iniciativa da associação de jovens LGBTQI+, rede ex aequo, que, contando com o apoio e financiamento da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), pretendia o combate à desinformação e discriminação homo-bi-trans-interfóbica na sociedade e o bullying nas escolas. Defendendo a remoção da educação sexual nas escola se restrição da informação sobre homossexualidade e transgeneridades entre os jovens, vão sendo reforçados os discursos anti-“ideologia de género”, defendendo a “proteção da educação das crianças” da influência da homossexualidade e transexualidade, postulando “o papel da família na manutenção da ordem sexual com base em valores cristãos” (Junqueira, 2018).


O surgimento de lideranças populistas e da extrema-direita, com uma agenda política moralmente regressiva, mostram traços padrão no que respeita ao ataque às conquistas democráticas no campo da igualdade de género e da diversidade sexual. Beneficiando do poder das novas tecnologias de comunicação e informação, das plataformas digitais e redes sociais na Internet, o espaço online mostra ser uma arena de fácil disseminação dos discursos anti-“ideologia de género”, nos quais se propagam as formas de violência e discriminação motivadas pela identidade de género ou orientação sexual. Desta forma, pretende-se olhar para a divulgação das narrativas anti-“ideologia de género” enquanto práticas que reproduzem a conduta moral do ódio e o incitamento à violência contra pessoas LGBTQI+. Na secção seguinte farei uma exposição sobre o discurso de ódio e sua presença no espaço público português.

" surgimento de lideranças populistas e da extrema-direita, com uma agenda política moralmente regressiva, mostram traços padrão no que respeita ao ataque às conquistas democráticas no campo da igualdade de género e da diversidade sexual. "


O Discurso de Ódio e o Espaço Público Português Nesta secção importa-nos compreender o discurso de ódio na sua relação com o discurso “anti-ideologia de género”, na criação de um ambiente público de desordem e desinformação que desrespeita a liberdade de expressão e código de ética da imprensa. Circulando entre os órgãos de comunicação social, no espaço online e redes sociais, a problemática destes discursos reside na criação de visões intolerantes e estigmatizantes de minorias sociais. Trazendo para a esfera mediática e campo político a normalização de ambientes de agressão e discriminação, fragmentando a esfera pública, organizações internacionais marcam esta situação como um “incêndio arrasador” dos direitos humanos (ONU, 2019). Neste jeito, atentemos à compreensão do discurso de ódio:

A expressão discurso de ódio é, com efeito, habitualmente utilizado para referenciar mensagens hostis e de incitação à violência, atacando e diminuindo grupos-alvo com base nas características (percebidas ou reais) como género, orientação sexual, raça, religião, etnia, cor ou nacionalidade. O discurso de ódio visa, nessa medida, silenciar, humilhar, intimidar, discriminar, perseguir, ameaçar, desumanizar, degradar, excluir ou amedrontar, bem como fomentar insensibilidade e incentivar à brutalidade.” (Silva, 2021: 15).

A onda de violência e intolerância baseada no ódio contra grupos religiosos, minorias, migrantes, refugiados, mulheres, reside na radicalização política, na criação de antagonismos entre grupos sociais que se definem positivamente face a outros estigmatizados, através do uso de expressões estereotipadas, de representações negativas, ofensivas, que legitimam divisões sociais (Pérez-Escolar; Noguera- Vivo, 2022). A propagação dos discursos populistas, dos partidos de extrema direita apoiados por grupos religiosos conservadores e autoritários, junto com as taxas de abstenção eleitoral cada vez maiores, mostram compor o caminho perfeito para a promoção do “pânico moral” e manipulação da realidade informativa, colocando em causa a confiança jornalística e a produção de conhecimento científico [i]. Entre a redução da circulação de jornais; do consumo alargado televisivo; e o crescimento da internet como meio media preferencial pelos cidadãos, onde mais de metade da população mostra utilizar as redes sociais para consumo de notícias, alinham-se as condições para a propagação de conteúdos desinformativos e polarização da linguagem e dos discursos de ódio em Portugal (Pérez-Escolar; Noguera-Vivo, 2022). As plataformas digitais de informação e comunicação, com a suas métricas de relevância (shares; likes; follows), num desígnio de visibilidade e popularidade online, mostram assumir maior importância que a realidade informativa por si própria. As Nações Unidas, num relatório recente do Comité dos Direitos Humanos, mostram a sua preocupação com os relatos de preconceito e discurso de ódio contra grupos vulneráveis em Portugal. Especialmente os discursos dirigidos às comunidades ciganas, afrodescendentes, muçulmanos e pessoas LGBTQI+, difundidos nos media e redes sociais através de conteúdos de desinformação (Pérez-Escolar; Noguera- Vivo, 2022).


" [...] alinham-se as condições para a propagação de conteúdos desinformativos e polarização da linguagem e dos discursos de ódio em Portugal. "

A chegada da extrema direita a Portugal, mostrou contribuir para o crescimento de um discurso público mais agressivo, fazendo-se uso dos media sociais como arena de ataque a certos cidadãos ou grupos sociais. As discussões em torno de temas como a “ideologia de género”, a perseguição de etnias, a castração química ou a pena de morte foram alguns dos temas polémicos que a extrema direita portuguesa trouxe para a esfera pública e mediática, manifestando-se contra minorias sociais. Face ao comportamento agressivo e uso de linguagem discriminatória nas redes sociais, no acometimento em controlar o discurso de ódio, começamos a ver algumas das principais empresas a suspender comentários e perfis destes utilizadores. André Ventura, após já ter sido suspenso pontualmente do Facebook e Twitter por apresentar discursos de incitação ao ódio, recentemente viu a sua conta de Twitter ser suspensa definitivamente, ao qual o Twitter alega: “É contra as nossas regras promover violência, ou atacar diretamente, ou ameaçar outras pessoas com base na sua raça, etnia, origem nacional, orientação sexual, género, identidade de género, religião, idade, deficiência ou doença”. Neste caso, o Twitter mostra o comprometimento moral contra o incitamento ao discurso de ódio online, assumindo uma política de proibição à promoção da propagação de ódio dirigido a um indivíduo ou organização com base na raça; etnia; cor; nacionalidade; orientação sexual; sexo; identidade de género; religião; idade; deficiência; condição médica ou genética; condição e veterano; refugiado; emigrante, conforme é possível consultar na sua página online sobre políticas de conteúdo(Business Twitter, 2022). No entanto, a existência de um vazio legal sobre o discurso de ódio enquanto crime mostra a dificuldade em regular este tipo de conteúdos online, nomeadamente na proteção contra a discriminação e da liberdade de expressão. A regulação de conteúdos online apresenta ser um “desafio complexo” no que toca a determinar responsabilidades legais na criação e disseminação do discurso de ódio, quer pela multiplicidade de atores envolvidos, como pela indefinição de terminologia sobre o discurso ou expressões de ódio ao nível da lei penal (Silva, 2021). Mais, segundo um estudo sobre a discriminação de pessoas LGBTI+ em Portugal, a conduta de discurso de ódio está prevista no ordenamento jurídico português, contemplando um conjunto de normas que protegem os cidadãos das condutas de ódio e discriminação, e de uma coima de pena de prisão entre seis meses a cinco anos. Ainda assim, este estudo mostra-nos que o ordenamento jurídico português não possui uma definição clara para este tipo de crime, sendo os seus pressupostos repartidos por diferentes disposições do Código Penal Português, dificultando a averiguação do crime e incursão de pena pelos magistrados (Saleiro,2022). Deparamo-nos, uma vez mais, com a necessidade de atualizar as normas legais que criminalizam as condutas de ódio e discriminatórias através dos media e/ou plataformas digitais. Vejamos de seguida como a ideologia de género e o discurso de ódio continuam a circular de mãos dadas nas plataformas digitais e como, ainda que sendo alvo de maior vigilância e de sanção, mostra ser labiríntico o seu controlo e impedimento. Os casos que aqui apresento são relativos à partilha de conteúdos na rede social Facebook de Maria Vieira, eleita deputada municipal do Chega para o município de Cascais em 2019. Na publicação em questão, a respeito da homenagem da Mattel em homenagear mulheres influentes no mundo, no qual a versão Trans da Barbie representando a atriz Laverne Cox, é perceptível a posição de Maria Vieira face ao discurso anti-“ideologia de género” e o ataque a pessoas LGBTQI+, desencadeando uma onda de comentários discriminatórios e atentatórios à dignidade das pessoas LGBTQI+.







Os presentes comentários foram selecionados da página Facebook pública de Maria Vieira, a 08.06.2022.


Quer na publicação de Maria Vieira como nos comentários que se seguiram, percebemos a injúria e ameaça a pessoas LGBTQI+, especificamente por razão da expressão e identidade de género, associada a doença mental. Os discursos de patologização da orientação sexual e identidade de género, apesar de retirados da Lista de Doenças da Organização Mundial de Saúde em 1990 e 2018, respetivamente, mostram persistir nas sociedades contemporâneas. Recentemente, o surto repentino Monkeypox (Varíola dos macacos) na Europa reacendeu a discussão em torno da associação da homossexualidade a uma doença, situação semelhante à que se assistiu com o fantasma do HIV SIDA. Apesar de cientificamente estas alegações serem reprováveis, alguns meios de comunicação social e suas manchetes polémicas contribuiram para a disseminação da desinformação e do discurso de ódio contra pessoas LGBTQI+. Este tema serve de arma de arremesso aos ideólogos “anti-género” que, mediante um cenário de desinformação, reproduzem o preconceito LGBTQI+. Vejamos a publicação de Facebook de Maria Vieira sobre este tema e alguns comentários que se seguiram.





Os presentes comentários foram selecionados da página Facebook pública de Maria Vieira, a 11.06.2022.


Mediante a análise da publicação de Maria Vieira, percebemos a propagação do discurso de ódio de uma forma indireta e com recurso ao humor, tendo partido de declarações do jornal de notícias Observador para insinuar a associação difamatória da doença com a orientação sexual das pessoas infetadas. Se as pessoas LGBTQI+ tendem a ser alvo de discriminação e preconceito social, em ambientes de crise sanitária mostram especial vulnerabilidade de discriminação, como nos mostrou o ambiente de medo, incerteza e insegurança provocado pela pandemia COVID-19 (Saleiro, 2022). Segundo a análise realizada aos relatórios anuais do Observatório da Discriminação Contra Pessoas LGBTI+ da ILGA Portugal (2013-2019), o total de crimes/incidentes de ódio, entre os quais o discurso de ódio, tem aumentado significativamente nos últimos anos (Saleiro, 2022, 147). A denúncia de situações de discriminação e incitamento ao ódio demonstra ser uma peça-chave para combater a invisibilidade a que as vítimas estão sujeitas, a disseminação e banalização das expressões de ódio em contexto discursivo assim como a desejável transladação dessas ocorrências em ação política que permita combater o fenómeno. Verificamos, também, a urgência no reforço de legislação portuguesa no combate ao crime e discurso de ódio online, a necessidade de formação para a prevenção da discriminação, da literacia mediática, da mediação de comentários online, tal como a maior representatividade de grupos minoritários em instituições-chave como tribunais, polícia, advogados e magistrados, destinados a lidar com crimes de ódio (Silva, 2021). Os meios de comunicação social mostram uma responsabilidade acrescida na rejeição do recurso às formas de incitação ao ódio e combate à desinformação. Importa-nos por isto, partindode uma abordagem feminista dos media, analisar como a formação e criação jornalística tem sido conduzida para respeitar os textos legais sobre as matérias de igualdade, diversidade e não discriminação.



Conclusão Em, O discurso Feminista e os Estudos dos Media (1997), Maria João Silveirinha, descortinava a ligação inextricável dos media com a construção da identidade e do espaço público. Nos últimos anos o reconhecimento do ativismo LGBTQI+ enquanto sujeito político noticioso, contribuiria para que se assistisse a um reforço da visibilidade e legitimidade públicas relativamente às questões LGBTQI+ (Santos, 2009; 2018). Ainda assim, a visibilidade fragmentária produzida pelos meios de comunicação resiste continuando a privilegiar a representação de papeis sociais hegemónicos (Silveirinha, 2020). A divulgação de conteúdos discriminatórios e desinformativos pelos media contra certos grupos sociais demostra um peso acrescido nos modos de violência perpetrados contra estas pessoas (Araújo, 2018). A descrença política e a falta de informação sobre determinadas realidades sociais, entre as quais as de género e sexuais, criam generalizações negativas no qual forças conservadoras se sustentam para criar intolerância e a polarização da opinião pública sobre realidades sociais estigmatizadas. É neste ambiente que os discursos anti-“ideologia de género” e as expressões de ódio online contra pessoas LGBTQI+, tratando a homossexualidade e transexualidade como doença, parecem ganhar especial destaque.


" A descrença política e a falta de informação sobre determinadas realidades sociais, entre as quais as de género e sexuais, criam generalizações negativas no qual forças conservadoras se sustentam para criar intolerância e a polarização da opinião pública sobre realidades sociais estigmatizadas. "

A falta de conhecimento estatístico e a inexistência de políticas públicas concretas sobre o discurso de ódio online mostram um entrave ao seu combate. A versatilidade, velocidade e facilidade com que expressões de ódio são propagadas mostram o risco da sua naturalização e aumento no espaço público e mediático. Quer os meios de comunicação social como as plataformas online, enquanto sistemas tecnológicos que influem poderosamente nas formas simbólicas e culturais, possuem uma responsabilidade em desconstruir ou delimitar os discursos que reforçam as práticas discriminatórias e no combate à promoção da desinformação. A educação para a cidadania e direitos humanos continua a ser um pilar necessário para a desvinculação dos eixos de violência e discriminação, logo desde cedo no espaço escolar, como na vida adulta. Mais do que nunca é necessário criar oportunidades para o pensamento crítico sobre o mundo, para a transformação de representações sobre a sexualidade e a diversidade de género.





[i] Num artigo sobre a polarização política e ideológica na sociedade civil ibérica, Juan António Marín e João Figueira, apontam o decréscimo na confiança na produção de notícias em Portugal entre 2015-2020. Um declínio de 9.1% (65.6%-56.5%), ainda que mostrando continuar a ser, junto da Finlândia, um dos países onde a produção de notícias continua a ser de confiança (Pérez-Escolar; Noguera- Vivo, 2022,p.118).



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Sobre o autor:



Daniel Santos Morais tem 29 anos, é natural de Coimbra e reside em Viseu.

É Mestre em Sociologia pela FEUC e estudante de Doutoramento em Estudos Feministas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais (CES).

Cronista no site de notícias dezanove.pt e ativista no coletivo Plataforma Já Marchavas.

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