William Godwin, um anarquista precursor do utilitarismo inglês, afirmou que a educação é o principal meio através do qual a mudança seria alcançada. De facto, a formação dos indivíduos desde a nascença, tanto através da visão do mundo como dos valores transmitidos, afigura-se uma parte fundamental do futuro e da estrutura de uma sociedade - é um meio eficaz de provocar mudanças na estrutura da população e, assim, impacta diretamente o desenvolvimento de uma dada comunidade. A educação e, também, uma forma de libertação - Godwin afirmou também: « Deixem as pessoas mais oprimidas debaixo do céu mudar por uma vez o seu modo de pensar, e elas serão livres.» [i]
A segunda edição de Debates pretende pôr, segundo esta perspetiva, a Academia e o Ensino em discussão, enquadrando estas duas temáticas no seio de outros importantes debates do mundo contemporâneo. A Revista A Salto procurou, tanto nas entrevistas como nos artigos publicados, apresentar reflexões pertinentes sobre problemas sociais, de género e teóricos relacionados com o ensino, assim como mostrar como certas instituições de ensino se adaptam e moldam perante as diversas transformações da nossa sociedade.
Ao longo da História humana, a Educação, instrumento fulcral do desenvolvimento civilizacional, espelhou as mutações dos diferentes povos. Esta pode ser tida como uma educação física ou intelectual; no caso da Grécia Antiga, ambos os aspetos eram valorizados, por exemplo. Com o aparecimento da teoria anarquista (Bakounin) e marxista, a educação e o ensino foram compreendidas como um meio para a propagação e perpetuação de desigualdades que se verificam na generalidade da sociedade. Pierre Bourdieu, aproveitando esta perspetiva, introduziu os conceitos de capital social, económico e cultural, que se reforçam mutuamente e perpetuam as desigualdades no acesso aos melhores empregos e à educação superior.
No entanto, estes últimos podem constituir também uma forma de aproximação e democratização no seio da sociedade. É, assim, urgente pensar sobre o Ensino e a Academia num Mundo em Transformação uma vez que, na viragem do século e ainda hoje, se operaram grandes transformações a nível técnico e material. Além disto, também as perspetivas sobre o Mundo se alteraram, trazendo novos desafios às instituições de Ensino Superior, habituadas aos círculos mais privilegiados e abastados. Os movimentos sociais contemporâneos e as novas reivindicações levaram as instituições políticas a adequarem-se, alterando o acesso ao ensino no sentido da sua democratização. Contudo, existem ainda enormes obstáculos presentes, estando o acesso à educação e à produção de conhecimento repartido de forma desigual pelo mundo, e mesmo no interior dos países. Obviamente, a democratização do Ensino é um fenómeno ainda em construção nos países em desenvolvimento, onde as desigualdades são mais profundas. Deste modo, uma reflexão sobre o ensino não pode dispensar uma atenção às assimetrias Norte/Sul, ainda presentes e intensificadas pelo desenvolvimento da globalização e internacionalização do capital.
A democratização do ensino transporta novos atores sociais para os centros de produção de conhecimento, desorganizando espaços anteriormente barrados às mulheres, pessoas de origem negra, entre outras comunidades marginalizadas. A Academia procura reinventar-se num contexto de tensão peculiar entre os movimentos para a inclusão e democratização e as estruturas patriarcais dominantes que caracterizavam as suas instituições. Ademais, a crescente comercialização do conhecimento e a sua concentração desafiam as instituições de ensino, perante novas lógicas marcadas pelo mercado e pela competição.
Todos estes elementos potenciam novas reflexões sobre o lugar do ensino e da Academia na sociedade, e sobre a sua responsabilidade face aos desafios enfrentados atualmente pela civilização.
[i] (« Let the most oppressed people under heaven once change their mode of thinking, and they are free…. ». - Godwin, William. (1783) An Account of the Seminary That Will Be Opened On Monday the Fourth Day of August, At Epsom in Surrey, for the Instruction of Twelve Pupils in the Greek, Latin, French, and English Language. London: T. Cadell, 1783
Artigo pelos editores da Revista A Salto
Commenti